O assunto é quente e merece atenção (na verdade, ele é mais um apêndice na discussão da Lei da Imprensa, mas é o que mais me interessa aqui).
Long story short… há uma proposta atualmente em circulação no Congresso pelo fim da obrigatoriedade do diploma no exercício do jornalismo. A comunidade jornalística tem se pronunciado largamente sobre o assunto, e com opiniões divididas. Professores e alunos dos cursos de comunicação, por sua vez, querem a permanência da medida.
Pergunta. Afinal, devem ou não os “jornalistas” se enveredar pelos tortuosos caminhos acadêmicos, a fim de ser coroados com o barrete premiado, sanção máxima da capacidade profissional dos aspirantes à profissão?
Resposta: é claro que não. Vamos aos argumentos.
Aqueles que velam pela obrigatoriedade do diploma tem estruturado sua defesa em duas frentes principais: o modus operandi da profissão e a desvalorização econômica do exercício. No que se reporta ao primeiro quesito, dizem eles que a faculdade é estritamente necessária para se adquirir o know-how; que o curso contribui para a formação de um jornalista, no sentido mais espistemológico do termo, e que existem regras e preceitos a serem seguidos; por fim, que a faculdade serve de articuladora-mor desse campo, garantindo sua unidade de produção.
Ora, isso é uma falácia sem tamanho. E eu nem preciso, para rebatê-la, reportar-me aos tão conhecidos exemplos de países como a França e EUA – onde os jornalistas, não obrigados ao diploma, exercem a profissão com alta qualidade; nem no conhecido argumento, algo anacrônico, de que o jornalismo já estava consolidado antes de 1968, quando entrou em vigor a restrição, e era exercido, inclusive, por grandes nomes da intelectualidade brasileira, como Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. Esses exemplos têm a desvantagem de se referirem a uma experiência distinta da nossa, territorial como temporalmente.
Todavia, o problema persiste. Para abordá-lo, necessitamos passar uma vista de olhos sobre as premissas gerais do jornalismo bem como sobre a situação de seu ensino nas instituições atuais. Essas frentes, embora separadas aqui por motivo de exposição, suscitam problemas em comum e estão intimamente ligadas no dia-a-dia.
Afinal, do que se trata o jornalismo?
A meu ver, é da apreensão dos fatos em um período imediato do tempo e comunicados a um grande público, bem como das perspectivas (ou posições) dessa apreensão. Os requisitos básicos aí são a afinidade com a pesquisa de fontes, e com os meios de se estruturar o discurso. A semelhança mais próxima é com a História. Não é a toa que quando Jacques LeGoff organizou a coleção de ensaios La Nouvelle Histoire, que fez época, chamou justamente um jornalista de formação para escrever sobre a História Imediata. Além disso, o jornalista (bem como o historiador) deve ter uma certa simpatia com relação ao seu subcampo de atuação: Economia, Política, Cultura, Ciência etc.
Os problemas enfrentados por ambas as disciplinas também são semelhantes. O exemplo mais vivo é o da aproximação ou distanciamento do profissional em relação ao seu objeto, isto é, a articulação do fato com o posicionamento político do locutor. Embora alguns jornalistas e historiadores não críticos preconizem a completa neutralização do profissional no discurso, acredito não ser isso possível. E mesmo que fosse, o produto seria um texto insípido, vulgar e “sem bossa”.
Mas sejamos justos… é claro que não podemos equivaler sem mais nem menos as disciplinas.
O Jornalismo possui sim suas características próprias e elas são, principalmente, as que resultam do público específico ao qual está dirigido e às formas de veiculação. É justamente neste ponto que entram em jogo os cursos de formação em Jornalismo: eles servem para articular o debate em torno dos diferentes aspectos do texto jornalístico (posição do locutor, maneiras de abordagem, público direcionado), bem como para reunir aquelas regras e preceitos que resultam na especificidade do Jornalismo frente a outras formas de discurso e disciplinas. Não vou discutir aqui se os cursos universitários atuais seguem ou não esta orientação, porque isso cairia numa generalização improdutiva.
A grande questão, portanto, é a seguinte: Será que os problemas particulares do Jornalismo justificam a constituição de um curso universitário de quatro anos, de modo que aqueles que não o completassem seriam incapazes, stricto sensu, de abordar aqueles problemas de maneira crítica?
A resposta é não, e aqui passo a combater os pontos defendidos pelos professores e estudantes de comunicação.
Em primeiro lugar, vem o argumento mais sólido, a meu ver, em que se apóia aquela defesa: as regras e preceitos básicos do texto jornalístico. Mesmo que sejam flexíveis, essas regras devem ser mantidas porque garantem não só o rigor profissional do Jornalismo mas também sua especificidade como disciplina autônoma.
O problema. Por mais louvável que seja essa intenção, não há como negar que a qualidade de um texto jornalístico depende muito pouco ou quase nada da observação de “regras”. Elas, se levadas ao extremo, dão num texto mecânico, operacional e sem valor. O que conta mesmo é a bagagem de cultura do autor, o conhecimento de seu assunto e uma certa simpatia com ele. As regras entram em jogo somente na medida em que delimitam um campo de discurso, mas não deve servir de base para a elaboração do texto.
Não estou sugerindo uma divisão estrita entre, de um lado, a forma e, de outro, o conteúdo, porque acredito que eles caminham juntos. Mas a quantidade de assuntos que o Jornalismo engloba impõe o que foi dito acima. Afinal, quem tem mais capacidade para escrever sobre Economia? Um jornalista formado com conhecimentos sumários nessas duas áreas? Ou um economista formado com noções de redação e escrita? Se pegarmos o currículo de qualquer curso de graduação em Jornalismo, há um pot-pourri de matérias que tentam suprir as demandas por uma bagagem cultura lmais ampla, como História, Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Economia e até História da Arte ou Filosofia.
Vamos agora à segunda frente de defesa dos professores e universitários: a desvalorização econômica da profissão.
Segundo eles, se qualquer um puder exercer o ofício de jornalista, teremos uma diminuição crônica no valor dos salários. Mas fica difícil de acreditar nesse argumento quando o salário de um recém-formado em Jornalismo não passa do segundo zero. Quem sabe, pode-se até aumentar a demanda por qualidade no meio.
Disso tudo, sou levado a concluir que a defesa veemente pela obrigatoriedade do diploma se trata antes de um protecionismo por parte daqueles que seriam mais diretamente afetados pelo livre exercício da profissão: professores, que teriam uma menor afluência de estudantes; e graduandos, que, por sua vez, enfrentariam uma maior competitividade no mercado. Isso, na minha opinião, é a exigência em virtude do fim maior com que teríamos de lidar, mas que pode ser parcialmente remediada com outros cursos complementares que se reportem às necessidades específicas de cada profissional.
Talvez o episódio mais sintomático do que ficou dito acima foi a decisão de Michael Arrington, dono do terceiro maior blog de informática do mundo, de se retirar da redação do site por causa de ameças que ele e sua família vinham recebendo. Por parte de quem? Jornalistas, oras bolas, que se sentiram ameaçados pelas publicação em primeira-mão do blog. Na sua carta de despedida, MA dizia ter a esperança de que algum dia jornalistas e blogueiros se “entendam” e deixem as rivalidades de lado. E eu acrescento: se isso não acontecer, um dos lados tende a sair altamente prejudicado. Alguém duvida qual?