La Proposta

Alguns dias atrás estreiou no Brasil uma comediazinha romântica chamada A Proposta (The Proposal, 2009) e eu gostaria de ocupar este espaço explicando porquê eu não a assistirei.
Como se o fato de ser protagonizado pela Sandra Bullock (Miss Simpatia? CRASH – No Limite?) não fosse suficiente, há uma outra razão, moral, pra minha recusa, que tem a ver com o plot.

O filme narra a história de uma executiva canadense que, ameaçada de deportação pela Segurança Nacional dos EUA, obriga seu assistente norte-americana a casar-se consigo, já que desse modo ela poderia estender seu Green Card. Ok. Problemas?

Essa história nunca seria sequer considerada se, ao invés de canadense, a protagonista fosse mexicana ou sul-americana. Quer dizer… o drama de mihares de imigrantes ilegais que lutam para permanecer em solo yankee, sentindo diariamente a mão pesada do preconceito, ganha tinturas coloridas, happy endings, pipoca e refrigerante, top 5 no box office e pura diversão, por causa de uma simples mudança de nacionalidade e de um branqueamento da pele.

Boicote.

LOL

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Mais algumas (breves) palavras sobre o problema do diploma em Jornalismo

Hoje, quarta-feira 17 de maio, o Supremo Tribunal Federal deu uma pequena demonstração de que não está lá só para servir aos fetichismos de poder do senhor Gilmar Mendes. Foi aprovada, por 8 votos a favor e 1 contra, a revogação da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo. Já discuti a minha opinião sobre o assunto em outro lugar, mas gostaria de fazer alguns breves comentários complementares.

Em primeiro lugar, o presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Sérgio Murillo Andrade, deu a seguinte declaração sobre a decisão do STF: “É um golpe duríssimo na nossa profissão. São 40 anos jogados no lixo. Foi um milagre o Supremo não nos proibir de exercer o jornalismo no Brasil”. Essa afirmação se aproxima do absurdo histórico, para não falar em radicalismo conceitual. Parece-me que ele perdeu completamente de vista o contexto não-imediato do problema. Doença sistêmica dos jornalistas? A questão fica em aberto.

A lei 972 que regula sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalismo foi promulgada por decreto em 1969. Ora, o que acontecia no Brasil nessa data? Estávamos no meio de uma ditadura militar, instaurada por golpe, e na qual os grupos populares não tinham participação nenhuma nas instâncias de decisão. Como se não bastasse, no ano anterior fora editado o Ato Institucional N˚5, dando início aos nossos “anos de chumbo” e à repressão sistemática contra as representações coletivas e as liberdades individuais de expressão. As universidades foram atacadas, os jornalistas exilados, porque o conhecimento era perigoso. Regulando sobre o ensino e sobre a informação, o Estado – lembrem, a lei foi promulgada por decreto – garantia o controle da mente, para se juntar ao do corpo, que ele assegurava pela força bruta.

Sérgio Buarque de Hollanda, Caio Prado Jr., ambos perseguidos pelo regime militar, ambos jornalistas de profissão, mas não de formação.

Segundamente, algumas pessoas que se dizem “de esquerda” veem a revogação da exigência do diploma como um sintoma da ação reacionária do liberalismo, do livre-mercado, etc. Mas isso tende a perder um pouco de vista a especificidade do ofício de jornalista.

Em poucas palavras, do que se trata o jornalismo? Acima de tudo, é da produção de conhecimento. Exigir um diploma para produzi-lo é admitir a operacionalização do saber, reduzido a um conjunto de preceitos técnico-profissionais voltados para o mercado. Embora eu reconheça a Universidade como um lugar privilegiado onde o conhecimento e o pensamento crítico se articulam, a obrigatoriedade do diploma produz justamente o contrário desse modelo de Universidade e serve unicamente uma função taxativa: os “jornalistas” são aqueles que possuem diploma em Jornalismo, não os que se qualificam para a profissão.

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O que está acontecendo na USP.

Ok, esse vai ser longo, mas é importante…

Há pouco mais de um mês, os funcionários da Universidade de São Paulo decidiram entrar em greve. Agregaram às reivindicações o reajuste salarial, e o “fim da repressão”, mas o carro-chefe era mesmo a readmissão de Claudionor Brandão, demitido por justa causa no final de 2008. Este sujeito é o diretor do Sindicado dos Trabalhadores da USP, o SINTUSP, e militante do Partido da Causa Operária (PCO). Em ano de eleição, os nervos fervem nas assembleias, profundamente partidarizadas, dos funcionários.

Os estudantes e professores, a princípio hesitaram a aderir à greve, preferindo antes paralisações semanais, enquanto organizavam o burburinho causado pelos representantes dos partidos. Havia pautas próprias, como a revogação da UNIVESP – projeto lançado pelo Serra com vistas na eleição de 2010, para a criação de vagas “virtuais” na Universidade, destinadas aos professores da rede pública. Os funcionários ficaram praticamente isolados, pois os dois outros “membros” da Universidade entendiam que a greve carecia de um programa sólido e coletivo, que visasse não apenas fortalecer um partido mas melhorar as condições materiais da comunidade acadêmica. A greve estava perdendo fôlego a um ritmo constante. Até segunda-feira.

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Nesse dia, a polícia militar entrou no campus da Cidade Universitária. A prerrogativa foi impedir um piquete – programado pelo SINTUSP – no prédio da Reitoria, onde os funcionários alegavam sofrer pressão de seus patrões para não aderir à paralisação. Os policiais estavam prostrados em frente à Reitoria desde às 3h da manhã, para executar uma ordem de reapropriação de posse requestada na semana anterior pela inteligentíssima reitora da USP, Suely Vilela.

Pronto. A greve ganhou uma forte prerrogativa que podia unificar os grupos de interesse divergentes em uma pauta comum. Os estudantes de História foram os primeiros a entrar em greve em assembleia extraordinária realizada na segunda, seguidos pelos outros cursos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Escola de Comunicação e Artes e da Faculdade de Educação, além dos professores. As assembleias gerais de alunos e professores também deliberaram por greve. Foi montado um calendário de atividades, com assembleias e outros piquetes. Mas faltava ainda um programa.

Dentre as atividades marcadas, estava o bloqueio do portão principal da USP, na terça-feira à tarde. Lá estavam os militares novamente, mas desta vez não era apenas a Força Tática, mas o “Choque”, pesadamente armado. As manifestações foram no início pacíficas, com os estudantes jogando flores nos policiais, apesar de uma série de provocações de ambos os lados. A tensão foi crescendo. Um grupo de estudantes encurralou alguns PMs contra um tapume, ao que estes responderam chamando reforços. Até que o ódio latente em ambos os lados explodiu.

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Os militares jogaram bombas de “efeito moral”, atiraram balas de borracha, usaram spray de pimenta e desceram o cacetete contra os estudantes, ao que estes responderam com pedras e pedaços de madeira. Os primeiros passaram a perseguir os últimos nas ruas da Universidade e jogaram bombas dentro dos prédios das faculdades, como no da História e Geografia, onde uma porção de professores, alguns idosos, se juntaram a correria dos estudantes em pânico. Dois sindicalistas e um estudante foram presos e responderão a processo judicial.

Depois disso, a situação acalmou-se e foi montada uma barricada numa das avenidas principais, onde os estudantes de todas as faculdades se reuniram em assembleia. No dia seguinte, juntaram-se os professores e funcionários. A greve capenga de um grupo politicamente enfraquecido dentro da Universidade tornara-se, quase que do dia para a noite, um movimento generalizado a favor de uma completa reformulação da estrutura de poder da USP. Ainda não se constituiu uma articulação intensa e um programa uno, mas tudo indica que essa greve acabará tão cedo. Algumas das novas reivindicações são as seguintes: saída da PM da USP, renúncia de Suely Vilela a Reitoria e eleições diretas para Reitor.

Esse foi um breve relato expositivo para contrapor ao que etá sendo veiculado pela mídia. Agora, um pouco das minhas opiniões.

O que significa a presença da polícia militar no campus?

Algumas pessoas tentaram fazer essa discussão em termos jurídicos. Certamente, não se trata de uma ilegalidade, pois é a execução de uma ordem judicial.

Outros quiseram fazê-la no terreno da moralidade. Por um lado, há os que digam que os piquetes “impedem o direito de ir e vir” e que a polícia só está lá por causa disso. Pelo outro lado, há os que afirmem que são os policiais que estão impedindo esse direito.

Na minha opinião, o debate tem de ser traçado em outro campo. A presença da polícia militar abre um precedente muito perigoso: qualquer manifestação dos estudantes, professores ou funcionários é justificativa para se abrir um estado de exceção? Mas o problema vai mais fundo. Esse espisódio revela a profunda falta de diálogo que impera na ambiente acadêmico. A reitora que, no meu entender, deveria articular a política interna da Universidade com a política “externa”, ou seja, os secretários estaduais e o governador, está claramente se colocando contra os estudantes para implementar as políticas unilaterais do senhor José “Gollum” Serra.

Hoje de manhã, a reitoria divulgou uma nota lamentando os conflitos de ontem num lugar onde “o diálogo devem sempre ser privilegiado”. Ora, mas é ela mesma que estorva esse diálogo, que não o deixa acontecer. O que aconteceu terça-feira foi apenas uma demonstração – extremada – de um processo muito mais longo. Apesar de todos os problemas do projeto eleitoreiro da UNIVESP, a falta mais grave foi a não-existência de uma discussão com a comunidade universitária – que é a mais afetada por ele – previamente a aplicação do projeto. Foi o mesmo que aconteceu com os decretos de 2007 do governador, que privilegiavam as disciplinas “práticas” e que motivaram a invasão/ocupação da reitoria.

protesto-usp_20090609_f_009Mas defender apenas a renúncia da Suely Vilela é uma personificação de um problema muito mais amplo. Só para constar, o mais cotado para a suceder é o diretor da Faculade de Direito da USP, João Grandino Rodas, que, em 2007, permitiu a entrada da Tropa de Choque no prédio dessa faculdade, para expulsar dali alguns manifestantes.

O buraco é muito mais embaixo. Atualmente, a escolha de reitor para a Universidade de São Paulo é feita pelo governador do Estado, a partir de uma lista tríplice indicada pelo Conselho Universitário. Os setenta mil estudantes de graduação tem direito a um voto, assim como os mais de cinco mil professores e os pós-graduandos. Tem cabimento? Por isso, a meu ver, a comunidade acadêmica está correta em atacar as raízes desse sistema e defender uma restruturação total dos canais de poder dentro da USP. Agora, é preciso levar isso adiante, constituir um programa pautado e sólido, politizar o debate e levá-lo para fora do campus, porque ele está articulado com o contexto político mais amplo. E também para desfazer a imagem extremamente negativa dos manifestantes que a opinião pública insiste em incutir.

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Sobre ontem à noite

Eu achava que o que vai abaixo era meio que um lugar-comum, mas depois de ler a matéria do The Guardian e correr os olhos por alguns grupos de discussão pela net afora, vi que não.

Então, Susan Boyle perdeu a final do Britain’s Got Talent…

E daí? Não muda absolutamente nada.

Quando ela se apresentou pela primeira vez no programa, o Simon perguntou qual era o sonho dela, e a resposta foi: “To be a professional singer” e ainda que não tivera a oportunidade ainda.

Em nenhum momento ela mencionou que o “sonho” era ganhar um programa de TV.

Na mesma semana dessa primeira apresentação, já se falava num contrato (que está em andamento) com o selo do próprio Simon Cowell e algumas apresentações em breve.  Isso sem contar a exposição global na mídia.

Quer dizer, tanto faz se ela ganhasse ou não. A primeira performance foi a única que significou alguma coisa. Ela conseguiu o que queria ali (ou pelo menos, está encaminhada).

Parece que muita gente ficou revoltada com o segundo lugar. Disseram que foi “armação”, que “grupos de dança são comuns” e que “dançar é fácil, quero ver ter uma voz igual aquela”. Blábláblá.

O Diversity, por outro lado, precisava do prêmio pra conseguir alguma publicidade ou oportunidade de continuar suas performances. Mas, como todos nós sabemos, em poucos meses (semanas?) ela vai embora – já tivemos a experiência com inúmeros American Idol – e as coisas voltam ao normal, como se a final nunca tivesse ocorrido. Susan Boyle, ao contrário, deixou uma impressão que dura; resta saber se foi mais talento ou mais exposição.

Além disso, o primeiro lugar foi merecido.

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Ano do Brasil na França

Este é o ano do Brasil na França e, como não poderia deixar ser neste blog, vai aí um post breve em homenagem aos franceses.

———-

Uma das coisas que sempre me fascinou nos francófonos é sua extrema habilidade de ignorar completamente as regras de pronúncia dos nomes próprios. Segue abaixo alguns exemplos.

Michael Douglas: Mi-ka-el Du-glá

Helen Hunt: É-len Ãnt

Hugh Jackman: Úg Jék-mãn

Ron Howard: Rón Au-árd

Jim Carey: Jim Ké-rri

Heath Ledger: Íf Lé-diér

Sigourney Weaver: Si-gór-ni Ui-vér

Forrester Whitaker: Fo-rrés-tér Uí-ta-kér

James Cameron: Dié-ms Ca-me-rón

Truman Capote: Trru-man Ca-pot

Ray Charles: Ré Xar-ls

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Miss CA e casamento gay

Algumas semanas atrás, aconteceu o concurso de Miss USA e uma polêmica.

Um dos jurados, Perez Hilton – blogueiro gay das celebrities – fez uma pergunta incômoda a Miss California Carrie Prejean, até então favorita, e recebeu uma reposta pouco melhor. “Casamento deve ser entre um homem e uma mulher”, dizia ela ao expressar sua opinião quanto a abolição da restrição aos matrimônios gays em 4 estados norte-americanos.

Pronto. Foi o suficiente para que a opinião pública caísse em cima dela no dia seguinte e que um ressentido Perez divulgasse um vídeo chamando-a de “dumb bitch”, instalando um mal-estar.

Nesta semana, foram divulgadas fotos nuas da Miss, da época em que era adolescente. O regimento do concurso proíbe esse tipo de exposição sem autorização dos dirigentes e houve um rififi pra que ela fosse impeachmada, mas que durou pouco. Donald Trump, “dono” do concurso, saiu em favor de sua miss e deu sanção a coroa. Mas isso não impediu que a organizadora do concurso, Shanna Moakler, ela mesma ex-miss USA, se demitisse, alegando princípio morais mais elevados.

No YouTube, Facebook e o resto das comunidades 2.0, uma infinidade de discussões sobre o caso que podem ser sintetizadas assim:

Aqueles que são contrários a miss Prejean acusam-na de preconceito branco e moralismo religioso, o que desloca um pouco a discussão que deve ser feita em outros termos.

Aqueles que a defendem acertaram no foco, que é a liberdade de discurso, alegando que todos tem direito a uma opinião, por pior que seja, e que ela deveria ter ganho a coroa “por sua honestidade”. Esses são os moralistas.

Na minha opinião, pior que os que a demonizam são só aqueles que a defendem.

Primeiramente, ela se inscreveu num concurso público e, portanto, está sujeita aos comentários e críticas de quem quer que seja, pelo mesmo tão defensado princípio de liberdade discursiva.

Em segundo e mais importante lugar, a miss Prejean pode ter o direito que for de expressar sua opinião, mas presenteá-la com a coroa seria nada mais do que sancionar um preconceito, uma vez que o concurso não está preocupado exclusivamente com atributos somáticos. E isso é inadmissível.

"Dumb bitch"

"Dumb bitch"

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Je voudrais déjà être roi

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Longa discussão sobre o problema do diploma em Jornalismo

O assunto é quente e merece atenção (na verdade, ele é mais um apêndice na discussão da Lei da Imprensa, mas é o que mais me interessa aqui).

Long story short… há uma proposta atualmente em circulação no Congresso pelo fim da obrigatoriedade do diploma no exercício do jornalismo. A comunidade jornalística tem se pronunciado largamente sobre o assunto, e com opiniões divididas. Professores e alunos dos cursos de comunicação, por sua vez, querem a permanência da medida.

Pergunta. Afinal, devem ou não os “jornalistas” se enveredar pelos tortuosos caminhos acadêmicos, a fim de ser coroados com o barrete premiado, sanção máxima da capacidade profissional dos aspirantes à profissão?

Resposta: é claro que não. Vamos aos argumentos.

Aqueles que velam pela obrigatoriedade do diploma tem estruturado sua defesa em duas frentes principais: o modus operandi da profissão e a desvalorização econômica do exercício. No que se reporta ao primeiro quesito, dizem eles que a faculdade é estritamente necessária para se adquirir o know-how; que o curso contribui para a formação de um jornalista, no sentido mais espistemológico do termo, e que existem regras e preceitos a serem seguidos; por fim, que a faculdade serve de articuladora-mor desse campo, garantindo sua unidade de produção.

Ora, isso é uma falácia sem tamanho. E eu nem preciso, para rebatê-la, reportar-me aos tão conhecidos exemplos de países como a França e EUA – onde os jornalistas, não obrigados ao diploma, exercem a profissão com alta qualidade; nem no conhecido argumento, algo anacrônico, de que o jornalismo já estava consolidado antes de 1968, quando entrou em vigor a restrição, e era exercido, inclusive, por grandes nomes da intelectualidade brasileira, como Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. Esses exemplos têm a desvantagem de se referirem a uma experiência distinta da nossa, territorial como temporalmente.

Todavia, o problema persiste. Para abordá-lo, necessitamos passar uma vista de olhos sobre as premissas gerais do jornalismo bem como sobre a situação de seu ensino nas instituições atuais. Essas frentes, embora separadas aqui por motivo de exposição, suscitam problemas em comum e estão intimamente ligadas no dia-a-dia.

Afinal, do que se trata o jornalismo?

A meu ver, é da apreensão dos fatos em um período imediato do tempo e comunicados a um grande público, bem como das perspectivas (ou posições) dessa apreensão. Os requisitos básicos aí são a afinidade com a pesquisa de fontes, e com os meios de se estruturar o discurso. A semelhança mais próxima é com a História. Não é a toa que quando Jacques LeGoff organizou a coleção de ensaios La Nouvelle Histoire, que fez época, chamou justamente um jornalista de formação para escrever sobre a História Imediata. Além disso, o jornalista (bem como o historiador) deve ter uma certa simpatia com relação ao seu subcampo de atuação: Economia, Política, Cultura, Ciência etc.

Os problemas enfrentados por ambas as disciplinas também são semelhantes. O exemplo mais vivo é o da aproximação ou distanciamento do profissional em relação ao seu objeto, isto é, a articulação do fato com o posicionamento político do locutor. Embora alguns jornalistas e historiadores não críticos preconizem a completa neutralização do profissional no discurso, acredito não ser isso possível. E mesmo que fosse, o produto seria um texto insípido, vulgar e “sem bossa”.

Mas sejamos justos… é claro que não podemos equivaler sem mais nem menos as disciplinas.

O Jornalismo possui sim suas características próprias e elas são, principalmente, as que resultam do público específico ao qual está dirigido e às formas de veiculação. É justamente neste ponto que entram em jogo os cursos de formação em Jornalismo: eles servem para articular o debate em torno dos diferentes aspectos do texto jornalístico (posição do locutor, maneiras de abordagem, público direcionado), bem como para reunir aquelas regras e preceitos que resultam na especificidade do Jornalismo frente a outras formas de discurso e disciplinas. Não vou discutir aqui se os cursos universitários atuais seguem ou não esta orientação, porque isso cairia numa generalização improdutiva.

A grande questão, portanto, é a seguinte: Será que os problemas particulares do Jornalismo justificam a constituição de um curso universitário de quatro anos, de modo que aqueles que não o completassem seriam incapazes, stricto sensu, de abordar aqueles problemas de maneira crítica?

A resposta é não, e aqui passo a combater os pontos defendidos pelos professores e estudantes de comunicação.

Em primeiro lugar, vem o argumento mais sólido, a meu ver, em que se apóia aquela defesa: as regras e preceitos básicos do texto jornalístico. Mesmo que sejam flexíveis, essas regras devem ser mantidas porque garantem não só o rigor profissional do Jornalismo mas também sua especificidade como disciplina autônoma.

O problema. Por mais louvável que seja essa intenção, não há como negar que a qualidade de um texto jornalístico depende muito pouco ou quase nada da observação de “regras”. Elas, se levadas ao extremo, dão num texto mecânico, operacional e sem valor. O que conta mesmo é a bagagem de cultura do autor, o conhecimento de seu assunto e uma certa simpatia com ele. As regras entram em jogo somente na medida em que delimitam um campo de discurso, mas não deve servir de base para a elaboração do texto.

Não estou sugerindo uma divisão estrita entre, de um lado, a forma e, de outro, o conteúdo, porque acredito que eles caminham juntos. Mas a quantidade de assuntos que o Jornalismo engloba impõe o que foi dito acima. Afinal, quem tem mais capacidade para escrever sobre Economia? Um jornalista formado com conhecimentos sumários nessas duas áreas? Ou um economista formado com noções de redação e escrita? Se pegarmos o currículo de qualquer curso de graduação em Jornalismo, há um pot-pourri de matérias que tentam suprir as demandas por uma bagagem cultura lmais ampla, como História, Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Economia e até História da Arte ou Filosofia.

Vamos agora à segunda frente de defesa dos professores e universitários: a desvalorização econômica da profissão.

Segundo eles, se qualquer um puder exercer o ofício de jornalista, teremos uma diminuição crônica no valor dos salários. Mas fica difícil de acreditar nesse argumento quando o salário de um recém-formado em Jornalismo não passa do segundo zero. Quem sabe, pode-se até aumentar a demanda por qualidade no meio.

Disso tudo, sou levado a concluir que a defesa veemente pela obrigatoriedade do diploma se trata antes de um protecionismo por parte daqueles que seriam mais diretamente afetados pelo livre exercício da profissão: professores, que teriam uma menor afluência de estudantes; e graduandos, que, por sua vez, enfrentariam uma maior competitividade no mercado. Isso, na minha opinião, é a exigência em virtude do fim maior com que teríamos de lidar, mas que pode ser parcialmente remediada com outros cursos complementares que se reportem às necessidades específicas de cada profissional.

Talvez o episódio mais sintomático do que ficou dito acima foi a decisão de Michael Arrington, dono do terceiro maior blog de informática do mundo, de se retirar da redação do site por causa de ameças que ele e sua família vinham recebendo. Por parte de quem? Jornalistas, oras bolas, que se sentiram ameaçados pelas publicação em primeira-mão do blog. Na sua carta de despedida, MA dizia ter a esperança de que algum dia jornalistas e blogueiros se “entendam” e deixem as rivalidades de lado. E eu acrescento: se isso não acontecer, um dos lados tende a sair altamente prejudicado. Alguém duvida qual?

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Zeitgeist e a energia

Vocês já ouviram falar de energia geotermal?

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Não? Eu explico.

Em poucas palavras, energia geotermal, ou geotérmica, é a energia extraída do calor liberado pelo magma terrestre, isto é, aquela substância localizada no interior da Terra que, eventualmente, pode ser expelida quando um vulcão entra em erupção.

Praticamente toda a superfície terrestre está situada em cima de placas tectônicas, que flutuam nesse magma. Isto significa que em qualquer lugar do mundo pode-se chegar a essa substância, se um poço com certa profundidade (a partir de mais ou menos 4 km adentro) for cavado (1).

O calor liberado pelo magma é transformado em energia através do aquecimento de fluidos secundários que, convertidos em vapor, têm força suficiente para movimentar os geradores. Este processo acontece em usinas relativamente pequenas se comparadas às nucleares ou carvoeiras e, além disso, não-poluentes, pois não requerem nenhum outro tipo de combustível além do empregado, claro está, em sua construção (2).

A primeira vez em que esse tipo de energia foi manipulada aconteceu em 1904 na Toscana e a primeira usina foi construída apenas sete anos depois no mesmo local (3). Muito antes, portanto, do salto tecnológico dos últimos 50 anos, que teve, no terreno das energias, um solo extremamente fértil para seus tão celebrados improvements, em todos os sentidos (capacidade e rapidez de geração, volume de armazenamento etc).

Agora, um pouco de dados.

O Massachussets Institute of Technology (MIT) divulgou, em 2006, um estudo sobre o potencial de extração de energia geotérmica, calculando o potencial bruto de todo o magma presente na Terra em aproximadamente 13.000 ZJ (zettajoules*).

Desse número, cerca de 2.000 ZJ (4) poderia ser extraído com investimentos de US$1 bilhão em pequenos improvements tecnológicos nos próximos 15 anos. Nada comparado à quantidade de capital movimentada anualmente pelos cartéis do petróleo.

O volume total de energia despendida no planeta atualmente é de 0,5 ZJ (5).

(…)

– Mas… isso não significa que nós temos a capacidade de gerar energia limpa e segura pelos próximos, er… 4.000 anos?

Sim (6).

Ah! E eu quase esqueci de mencionar que esse tipo de energia é renovável(7).

Ok. Vamos recapitular.

A energia geotérmica pode ser extraída em qualquer parte do planeta(1), sem poluir o meio-ambiente ou prejudicar o ecossistema (2), através de usinas econômicas e com a tecnologia presente (3). O recurso bruto desse tipo de energia é mais abundante que qualquer outra substância empregada atualmente (4) e sua extração, tendo em vista os padrões atuais de consumo de energia (5) – que, diga-se de passagem, não são baixos – pode garantir energia limpa por milênios a seguir (6), e de uma forma virtualmente inesgotável, já que esse recurso é renovável (7).

Parece mentira, né?

Dêem uma olhada no vídeo abaixo. Ele explica um pouco tudo isso.

A conclusão é que o eixo Obama-Lula, no que diz respeito a “novos” recursos energéticos, não é tão bonzinho como a gente pensava. A pergunta do porquê os governos continuarem injetando bilhões em pesquisa e tecnologia com o etanol e outros biocombustíveis, quando se tem disponível uma fonte de energia como a que expus acima, tem uma resposta muito mais óbvia do que poderia sugerir a simples ignorância desses fatos por parte dos governantes. É que não encontraram ainda um meio de fazer (muito) dinheiro com as fontes geotérmicas. Resta saber até quando.

*1 ZJ = 10²¹J

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Comentários preliminares acerca do Oscar

Como todo mundo sabe, hoje, 22, foram anunciados os indicados ao Oscar 2009, com algumas surpresas e decepções, como é de praxe. Aqui vão alguns comentários preliminares e sucintos:

– O maior absurdo dessa vez foram as nada menos que 13 (sim, TREZE!) indicações para Benjamin Button. Mais do que o triplo do que eu daria. A Academia forçou particularmente a barra nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado. E o pior é que parece que ele vai se sair bem, afinal quem não gosta de um épico vazio bem-feitinho, com ótimos efeitos especiais, e ainda mais com um ator que todo mundo ali viu crescer e amadurecer? Repetição de 2006, quando Brokeback Mountain perdeu de uma forma até hoje não esclarecida pra Trash… quer dizer, Crash.

– Eu também achei esquisita a indicação de Happy-Go-Lucky pra Roteiro Original e a falta da Sally Hawkins entre as melhores atrizes do ano, uma vez que o Mike Leigh diz que nunca começa um filme com roteiro e que as cenas acabam surgindo por um trabalho de atores, ensaiando durante meses sem cessar. E mesmo que haja um roteiro ali, não é grande coisa.

– Ficou faltando também uma indicação de Roteiro Adaptado pros irmãos Nolan, com o Batman.

– E Wall-E poderia estar no lugar de qualquer um dos indicados a Melhor Filme do ano.

Mudando o tom:

– Robert Downey Jr. pra Ator Coadjuvante. Eu ainda estou torcendo pro Heath Ledger, maaas o RDJr. é a segunda opção. Never go full retard.

– Richard Jenkins pra Ator. Ainda não vi The Visitor, mas ele é um ótimo ator e nunca conseguiu engatar em grandes papéis.

Eu ainda vou escrever mais sobre os filmes quando terminar de vê-los.

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